sexta-feira, 3 de junho de 2011

4° fichamento

Aspectos históricos do ensino superior de química

Juergen Heinrich Maar


“O presente trabalho pretende, sem ser exaustivo, apresentar aspectos históricos essenciais relacionados com a formação do químico em nível superior, "os pequenos fatos significativos", como dizia Taine, e apresentar as características dos diferentes períodos da evolução da química como atividade acadêmica, ou como disciplina universitária, bem como os fatores decisivos para as mudanças estruturais e institucionais observadas.”

“Os textos de história da química, quer aqueles que discutem a evolução da química numa ordenação mais cronológica, quer aqueles que se organizam em torno de temas ou de problemas a serem pesquisados, ou em torno de idéias ou teorias norteadoras, normalmente abordam apenas de passagem a formação profissional ou acadêmica dos personagens envolvidos ou responsáveis por essa história”

“A química e a quimiatria1 universitárias têm, pois, várias origens:

1) nos cursos de medicina, no ensino do preparo de fármacos, origem remota do ensino da química que viria ser a química orgânica e a bioquímica;

2) nos cursos tecnológicos, desde o século XVIII, inicialmente nas escolas de minas, depois nas de engenharia, no ensino sistemático do que viria a ser a química inorgânica e a química analítica;

3) como disciplina científica "pura", desde a reforma universitária de Humboldt e Fichte (1810), de certa forma já antecipada pelos aspectos organizacionais e didáticos da Universidade de Halle, criada em 1694.

4) as "noções de física e química" freqüentemente citadas como unidade de ensino ou disciplina têm na realidade origem heterogênea: a física desenvolveu-se a partir da filosofia natural e da matemática, a química a partir da medicina. A alocação de uma disciplina de química em uma faculdade de filosofia e não numa faculdade de medicina, como ocorreu em Jena a partir de 1789, deu início à efetiva interação da física com a química, e ao início do ensino do que seria a físico-química.”

“No entender de Jost Weyer, a química moderna nasceu por volta de 1600, da confluência de três fatores: os aspectos práticos da alquimia, a filosofia natural e as artes práticas (cf. Weyer, 1992). A alquimia2 empírica forneceu os materiais, os equipamentos e as operações (as "chaves" da alquimia não deixam de ser precursoras das operações unitárias de hoje); a filosofia natural constituiu um enquadramento teórico necessário para que a nova ciência prosperasse e frutificasse; e as artes práticas forneciam um amplo campo de trabalho, que ia desde a mineração e metalurgia até a preparação de fármacos, ou o refino de açúcar, ou o fabrico de salitre ou de soda, ou dos ácidos minerais.”

“Consultado sobre qual seria a melhor universidade, o pensador espanhol Don Miguel de Unamuno (1864-1936) teria respondido: aquela que tivesse uma cadeira de alquimia (cf. Serratosa, 1969). Não cabe aqui discutir até que ponto essa afirmação merece crédito, mas o fato é que nos dias de hoje há historiadores e filósofos da ciência que discutem as conseqüências do abandono de todas as facetas da alquimia nos aspectos não só científicos, mas filosóficos e sobretudo éticos da prática científica e tecnológica dos nossos dias (cf. Re, 1997).”

“Observa-se em pleno Renascimento a "revolução química" de Paracelso, que defendia o abandono de Aristóteles e o retorno aos próprios fatos da natureza. A formação médica e alquimista de Paracelso (1493-1541) era essencialmente informal, colhida entre gentes de toda espécie, sábios e bispos, mineiros e fundidores, soldados e salteadores.”

“Além das universidades de Marburg, Jena e Altdorf, criaram cadeiras de química, até o final do século XVII, as universidades de Leipzig (1668, com Michael Heinrich Horn), Erfurt (1673), Wittenberg, Helmstedt (1688), Königsberg e Halle, na Alemanha; na Suécia, Uppsala (1655) e Estocolmo (1683); na Holanda, Utrecht (1668), e Leiden, em 1669, com Carel de Maets ou Carolus Dematius (1640-1690); na Inglaterra, Oxford (1683) e Cambridge (1702), sendo nesta última o primeiro professor o farmacêutico italiano Giovan Francesco Vigani (ca. 1650-1713); na França, Montpellier (1670), Estrasburgo (1683); na Suíça, Basiléia (1685, com Theodor Zwinger); na Bélgica, Lovaina (1695) (cf. Meinel, 1988).”

“Os primeiros quimiatras franceses eram em grande parte huguenotes, seguidores da fé reformada de João Calvino, e só a partir do Edito de Nantes,8 proclamado em 1598 pelo rei Henrique iv (1553-1610), os huguenotes alcançaram a liberdade política e religiosa, integrando-se à vida cultural francesa.”

“Observa Peter Burke que em 1450 o currículo das universidades européias "era notavelmente uniforme permitindo que assim um estudante se transferisse de uma instituição para outra" (Burke, 2003, p. 87). Concluía-se um "1o grau" com um bacharelado em uma das sete artes liberais (as três do trivium e as quatro do quadrivium, seguindo-se um curso de "2o grau" em uma das faculdades tradicionais: teologia, direito, medicina).”

“No século XVIII, a instituição universitária sofreu um certo declínio, e com isso também a química passou a ser cultivada em academias científicas, em outras instituições de ensino, como as escolas de minas, em laboratórios de entidades públicas ou privadas várias. Mas antes de comentar essas novas instituições, não se pode deixar de falar de Hermann Boerhaave (1668-1738), professor na Universidade de Leiden, na Holanda, e autor do mais difundido livro-texto de química da época, os Elementa chemiae (Elementos de química), publicado em 1732 e amplamente usado e até publicado clandestinamente, tanto é que Boerhaave só considerava autênticos os exemplares por ele próprio assinados.”

“Os diferentes movimentos político-sociais e culturais do período de transição do século XVIII para o século XIX Revolução Francesa, Período Napoleônico, Romantismo, Naturphilosophie tiveram efeitos variados sobre o ensino de química e tecnologia química (e da ciência em geral) e sobre a prática científica, bem como sobre as relações entre a ciência (química) de um lado e filosofia, artes e letras do outro. A química adquire definitivamente papel de ciência independente, e seu ensino torna-se mais e mais experimental.”

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